“Aqui, não se ensina ciência. Uma das primeiras coisas em que reparei ao vir ao Brasil foi ver garotos a comprar livros de Física. Há muitos meninos brasileiros iniciando-se em Física bem mais cedo que nos EUA, mas há poucos físicos aqui. Por quê?”
Assim se expressou Richard Feynman, Prêmio Nobel em Física, sobre suas experiências de ensino em nosso país. Depois, ele fez uma analogia com um erudito da Grécia que chega a um país e fica feliz ao ver que até crianças estudam grego. Ele pergunta a um formando da língua grega: “Quais eram as ideias de Sócrates sobre a relação entre a Verdade e a Beleza?” O aluno não sabe. E lhe faz outra pergunta: “O que disse Sócrates a Platão no 3º Simpósio?” A face do aluno brilha, e este diz, palavra por palavra, tudo o que Sócrates disse num grego magnífico. Ora, no 3º Simpósio, Sócrates falava justamente da relação entre a Verdade e a Beleza. Assim, ele descobriu que os alunos desse país sabem recitar, perfeitamente, o que Sócrates dissera, mas não entendem o significado. E concluiu: “É isso que me parece quando vos vejo ensinar ciência aos garotos aqui no Brasil.”
Com raras e inovadoras exceções, essa era a realidade de muitas escolas brasileiras, que, além disso, ainda contrariavam a seguinte máxima de Piaget: “Tudo o que se ensina à criança impede que ela descubra ou invente.”
Eis que surge uma criação de Maria Inês Fini: o ENEM. Com ele, o aluno revela suas habilidades e competências por meio de avaliações com questões relacionadas ao cotidiano, e é evitada a “decoreba”. Sua criação foi um marco em nossa educação, e os que seguem sua filosofia talvez já sejam maioria. Há muito a se fazer, e os passos que levam a “filosofia ENEM” a todos, e principalmente aos humildes, comparam-se à evangelização cristã de Paulo. É o caso da parceria entre O Povo e Farias Brito, com encartes, simulados e aulas por rádio e TV.
Em Brasília, numa reunião sobre o uso do ENEM como vestibular nacional, este articulista e o representante da UNICAMP, em prognóstico depois confirmado, preocupamo-nos com a logística num enorme país, onde reinam os “jeitinhos” e a impunidade. Diferentemente de outros concursos, no ENEM, coordenar e fiscalizar são responsabilidades da escola alugada para as provas, e esta, em muitos casos, tem alunos inscritos no exame. Mais um indutor à probabilidade de fraude.
Imaginemos que os municípios do Brasil tenham a prática de construir bem as suas praças (como as Universidades Federais em vestibulares) e que o Governo Federal resolva padronizar o tipo de praça. Bastaria unificar o projeto (no caso, a filosofia ENEM) e deixar a construção de praças (vestibulares) com quem já sabe fazer. Assim, a logística seria com as Universidades Federais e não com desconhecidos.
O ENEM nacional não é de Brasília. É do Brasil.